fevereiro 03, 2006

FREITAS, O IMPERFEITO

Freitas era diferente. Quando nascera, os médicos logo pensaram:
— Nossa! Coisa igual não deve haver na face da terra.

Freitas quando ainda era criança percebia, mesmo de seu berço, que todos o olhavam diferente. O que será que eu tenho? Pensava aquela criança.

Freitas cresceu, tornou-se rapaz, mas ainda se perguntava o que o fazia diferente dos outros. Para ele era tudo muito estranho, não se via tão distante dos da sua idade assim. Mas ele sabia que havia algo errado.

— Meu Deus, o que será? Pensava.
Numa manhã de domingo, pensou em falar com sua mãe a respeito de tal assunto. Ela, notando o ar preocupado do filho — há muito tempo — apenas ignorava. O tratava como fazia sempre: Como um filho.

Freitas prosseguia com sua dúvida. Preferiu não desabafar com sua mãe.
Um dia Freitas, assustado com o modo com que todos o olhavam, decidiu ir desesperadamente para casa. Chegou. Pôs-se em frente ao espelho e olhou-se, como se nunca tivera feito antes. Tocou seu cabelo, deslizou sua mão pela face, observou o formato de sua boca, tocou a ponta de seu nariz e em seguida repetiu o gesto, mas desta vez no espelho. Pensava:

O que há de errado? Pareço tão normal: meu cabelo é duro e crespo, meu rosto é largo demais, meus olhos não combinam nem se encontram, meu nariz é pontudo e intimidador. Em que posso ser diferente? não entendo!

Freitas, no dia seguinte, levantou-se como de costume e seguiu o padrão: não escovou os dentes, não penteou o cabelo, vestiu meia branca de algodão com sapato social. Enfim, nada de novo.

Depois de pronto, olhou-se e brincou consigo: — Eu diria que hoje, na escala do PH, estou entre sete e quatorze (básico). Estava feliz. Havia esquecido por alguns segundos suas angústias, ou seja, havia perdido alguns milhares de elétrons (estava mais positivo).

Freitas saiu de casa, andou um pouco e encontrou novamente aqueles olhares. Lembrou-se outra vez que se sentia diferente. Inclinou a cabeça para baixo, em direção aos seus pés e subiu o olhar, analisando todo o corpo.

Mas como? Não há nada de errado. Pensou.
Avistou um amigo pela rua e ao se aproximar ouviu:

— Nossa, Freitas... Parabéns, como você se veste mal, e quão feio você é. Gostaria de ser assim. Sentiu-se mal com aqueles altivos elogios.
Será que é isso? Será que não sou não perfeito demais como deveria? Mas sempre fiz de tudo para ser como todo mundo.

Na escola, tornou a ouvir das meninas: Freitas você é demais. Como você não sabe ler tão bem, e não falar então, nem se fala...Ah! Freitas...
E ele se perguntou:

Será que eu sou um imperfeito tão perfeito assim? Sentia-se angustiado. Todos eram tão mais ou menos imperfeitos, ele não. Ele era perfeitamente imperfeito. E Freitas foi ganhando cada vez mais elétrons, dia-após-dia.

Certo dia retornou ao velho espelho e conseguiu ver o que antes não podia: um cabelo macio e liso, um rosto alinhado, simétrico, um olhar tão harmonioso que só o vira igual no rosto de crianças. E o nariz então... que regular, que bem posto, que bem desenhado. Deprimiu-se com essa visão.

— Era por isso. Todos aqueles olhares e elogios (na certa falsos). O que eu faço? Vejo-me igual ou diferente, de agora em diante?

Freitas enlouquece. Torna-se um eremita. Rasga sua face de canto a outro e passa a usar uma máscara. Refugia-se numa ilha deserta e nunca mais se sabe dele.

Freitas não queria ser João, ou Pedro, ou Marcos. Freitas só queria ser Freitas, o imperfeito.

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