março 18, 2006

A RUA LAMACENTA

A propósito do feriadão cristão que nos levou ao mar, à montanha ou simplesmente à vagabundagem por quatro benditos dias, lembrei de Buda - que falava de maneira semelhante a Cristo.Cristo disse: Não pode uma árvore boa dar maus frutos nem uma árvore má dar frutos bons.

Pelos frutos, a conhecereis.Buda disse: Não importa o que o homem faça, seus atos servem à virtude ou ao vício. Toda ação acarreta frutos.Os dois falavam de uma velha lei do hinduísmo - anterior portanto ao budismo e ao cristianismo - a lei do karma, que regula a "ação e a reação, a causa e o efeito".

Na verdade, o karma é uma lei natural, a semente que germina é karma, mas o budismo a formulou como: "O que somos hoje é o resultado dos pensamentos de ontem. O que seremos amanhã é o resultado dos pensamentos de hoje".

E Buda também disse que "o homem é aquilo que pensa que é".Gosto de fundamentar algumas afirmações dizendo que Buda disse antes. Como ninguém sabe ao certo tudo que Buda disse, o respaldo de Buda dá credibilidade ao que quero dizer.

Mas Buda disse mesmo que "o homem é o que pensa e acaba se tornando o que pensou". Ou seja, que a realidade do homem é decorrente da representação que ele faz de si mesmo e de terceiros.

Seus pensamentos acabam gerando suas circunstâncias, logo, seus sofrimentos são fruto dos pensamentos que carrega. O budismo é uma doutrina interessante porque em nenhum momento fala de Deus nem afirma a sua existência.

Não é uma metafísica. A preocupação do budismo é com o homem e o sofrimento do homem.O príncipe Sidartha Gautama aos 29 anos deixou o seu palácio, abandonou mulher e filho, e foi peregrinar pelo mundo em busca de sabedoria.

No princípio seguiu uns monges mendicantes e passou um bom tempo a jejuar mas desistiu da mortificação quando constatou que ela só aumentava o apego. Começou a caminhar, observar e meditar sozinho e, muitos anos depois, se "iluminou": tornou-se um Buda, um "desperto".


Para Buda tudo é Maya, ilusão. Só existe um lugar: o aqui. Só existe um tempo: o agora. A realidade está restrita ao momento presente e sua primeira descoberta foi a impermanência: Tudo muda, de estados físicos a pensamentos.

O que parece existir apenas flui e pessoas e sentimentos são transitórios. Nada pode ser considerado fixo, nem a verdade. O que se deve buscar é um nível de compreensão adequado para o que somos agora, porque amanhã não seremos o que somos hoje.

Não devemos nos apegar ao transitório, somente permanece em nós o Atman - a alma imortal. Mas acumulamos karma a vida inteira porque carregamos todo o passado conosco. Assim, o primeiro ensinamento de Buda é evitar o apego.

Carregar erros e acertos passados impede que a atenção se fixe no presente, a única realidade, o único momento em que podemos zerar o karma. Quem carrega o passado não consegue produzir bons frutos.Os budistas zen têm maneiras interessantes de passar suas lições.

Usam "koans". O koan é uma história curta que traz em si uma sabedoria nem sempre evidente e meditar sobre os koans é aprendizado. O zen é a vertente japonesa do budismo e os japoneses são minimalistas.

O hai-kai e o koan são minimalistas e alguns são incompreensíveis. Mas um dos mais evidentes é o koan da Rua Lamacenta:"Dois monges peregrinos passavam por uma cidade e encontraram uma jovem que hesitava em atravessar uma rua lamacenta com medo de sujar as roupas.

Um dos monges pegou a mocinha no colo e carregou-a até o outro lado da rua. Continuaram a caminhar calados até que a noite chegou e se abrigaram numa hospedaria.

Quando se sentaram para jantar um dos monges não agüentou e censurou o companheiro: - Não se espera que um monge budista carregue lindas mocinhas no colo.

Jantaram em silêncio, porque as histórias budistas são recheadas de silêncio, e quando terminaram o outro respondeu: - Eu só carreguei a mocinha até o outro lado da rua lamacenta."

Embora treinados na mesma doutrina, um dos monges largou a mocinha do outro lado da rua, o outro a carregou por um dia inteiro. O bem ou o mal, depositados do outro lado da rua, perdem grande parte do valor que atribuímos a eles.

Quando a depositamos no outro lado da rua lamacenta, a mocinha deixa de existir. E não é sábio fazer a caminhada carregando a mocinha.

Texto que li em um blog.

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