março 20, 2006

O PEDIATRA - NELSON RODRIGUES

Saiu do telefone e anunciou para todo o escritório:— Topou! Topou!Foi envolvido, cercado por três ou quatro companheiros. O Meireles cutuca:— Batata?Menezes abre o colarinho: — "Batatíssima!".


Outro insiste:— Vale? Justifica?Fez um escândalo:— Se vale? Se justifica? Ó rapaz! É a melhor mulher do Rio de Janeiro! Casada e te digo mais: séria pra chuchu!Alguém insinuou: — "Séria e trai o marido?".


Então, o Menezes improvisou um comício em defesa da bem-amada:— Rapaz! Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é uma besta!Ao lado, o Meireles, impressionado, rosna:— Você dá sorte com mulher! Como você nunca vi! — E repetia, ralado de inveja: — Você tem uma estrela miserável!


Há três ou quatro semanas que o Menezes falava num novo amor imortal. Contava, para os companheiros embasbacados: — "Mulher de um pediatra, mas olha: — um colosso! ". Queriam saber: — "Topa ou não topa?".


Esfregava as mãos, radiante:— Estou dando em cima, salivando. Está indo.Todas as manhãs, quando o Menezes pisava no escritório, os companheiros o recebiam com a pergunta: — "E a cara?". Tirando o paletó, feliz da vida, respondia:— Está quase.


Ontem, falamos no telefone quatro horas! Os colegas pasmavam para esse desperdício: - "Isso não é mais cantada, é ...E o vento levou". Meireles sustentava o princípio que nem a Ava Gardner, nem a Cleópatra justificam quatro horas de telefone. Menezes protestava:— Essa vale!


Vale, sim senhor! Perfeitamente, vale! E, além disso, nunca fez isso! É de uma fidelidade mórbida! Compreendeu? Doentia!E ele, que tinha filhos naturais em vários bairros do Rio de Janeiro, abandonara todos os outros casos e dava plena e total exclusividade à esposa do pediatra.


Abria o coração no escritório:— Sempre tive a tara da mulher séria! Só acho graça em mulher séria!
Finalmente, após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula.


Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: — "Custou, puxa vida! Nunca uma mulher me resistiu tanto!". E, súbito, o Menezes bate na testa:— É mesmo! Está faltando um detalhe!


O apartamento! Agarra o Meireles pelo braço: — "Tu emprestas o teu?". O outro tem um repelão pânico:— Você é besta, rapaz! Minha mãe mora lá! Sossega o periquito!Mas o Menezes era teimoso. Argumenta:— Escuta, escuta! Deixa eu falar.


A moça é séria. Séria pra burro. Nunca vi tanta virtude na minha vida. E eu não posso levar para uma baiúca. Tem que ser,olha: — apartamento residencial e familiar. É um favor de mãe pra filho caçula.


O outro reagia: — "E minha mãe? Mora lá, rapaz!". Durante umas duas horas, pediu por tudo:— Só essa vez. Faz o seguinte: — manda a tua mãe dar uma volta. Eu passo lá duas horas no máximo!


Tanto insistiu que, finalmente, o amigo bufa:— Vá lá! Mas escuta: — pela primeira e última vez! Aperta a mão do companheiro:— És uma mãe!
Pouco depois, Menezes ligava para o ser amado: — Arranjei um apartamento genial.Do outro lado, aflita, ela queria saber tudinho: "Mas é como, hein?".


Febril de desejo, deu todas as explicações: — "Um edifício residencial, na rua Voluntários. Inclusive, mora lá a mãe de um amigo. Do apartamento, ouve-se a algazarra das crianças". Ela, que se chamava Ieda, suspira:— Tenho medo!


Tenho medo!Ficou tudo combinado para o dia seguinte, às quatro da tarde. No escritório, perguntaram:— E o pediatra?Menezes chegou a tomar um susto. De tanto desejar a mulher, esquecera completamente o marido.


E havia qualquer coisa de pungente, de tocante, na especialidade do traído, do enganado. Fosse médico de nariz e garganta, ou simplesmente de clínica geral, ou tisiólogo, vá lá. Mas pediatra!


O próprio Menezes pensava: — "Enquanto o desgraçado trata de criancinhas, é passado pra trás!". E, por um momento, ele teve remorso de fazer aquele papel com um pediatra. Na manhã seguinte, com a conivência de todo o escritório, não foi ao trabalho.


Os colegas fizeram apenas uma exigência: — que ele contasse tudo, todas as reações da moça. Ele queria se concentrar para a tarde de amor. Tomou, como diria mais tarde, textualmente, "um banho de Cleópatra". A mãe, que era uma santa, emprestou-lhe o perfume.


Cerca do meio-dia, já pronto e de branco, cheiroso como um bebê, liga para o Meireles:— Como é? Combinaste tudo com a velha?— Combinei. Mamãe vai passar a tarde em Realengo. Menezes trata de almoçar. "Preciso me alimentar bem", era o que pensava.


Comeu e reforçou o almoço com uma gemada. Antes de sair de casa, ligou para Ieda:— Meu amor, escuta. Vou pra lá. E ela:— Já?Explica:— Tenho que chegar primeiro. E olha: vou deixar a porta apenas encostada. Você chega e empurra.


Não precisa bater. Basta empurrar.Geme: — "Estou nervosíssima!".E ele, com o coração aos pinotes:— Um beijo bem molhado nesta boquinha.— Pra ti também.
Às três e meia, ele estava no apartamento, fumando um cigarro atrás do outro. Às quatro, estava junto à porta, esperando.


Ieda só apareceu às quatro e meia. Ela põe a bolsa em cima da mesa e vai explicando:— Demorei porque meu marido se atrasou. Menezes não entende: — "Teu marido?", e ela:— Ele veio me trazer e se atrasou. Meu filho, vamos que eu não posso ficar mais de meia hora.


Meu marido está lá embaixo, esperando.Assombrado, puxa a pequena: — "Escuta aqui. Teu marido? Que negócio é esse? Está lá embaixo! Diz pra mim: — teu marido sabe?". Ela começou:— Desabotoa aqui nas costas. Meu marido sabe, sim.


Desabotoa. Sabe?! claro.Desatinado, apertava a cabeça entre as mãos: — "Não é possível! Não pode ser! Ou é piada tua?". Já impaciente, Ieda teve de levá-lo até a janela. Ele olha e vê, embaixo, obeso e careca, o pediatra. Desesperado, Menezes gagueja: — "Quer dizer que...".


E, continua: "Olha aqui. Acho melhor a gente desistir. Melhor, entende? Não convém. Assim não quero".Então, aquela moça bonita, de seio farto, estende a mão:— Dois mil cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços. Dois mil cruzeiros.Menezes desatou a chorar.

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